amores expresos, blog do Joca

Saturday, May 12, 2007

TINHA UM SUCESSOR DE PEDRO NO MEU CAMINHO

Tudo parecia conspirar contra minha saída de São Paulo, até mesmo o Papa.

Na véspera da viagem, imerso numa onda vultuosa de padres, seminaristas, noviças, freiras, oh quantas batinas na Dr Arnaldo (o cheiro de naftalina era tal a ponto de suplantar o já tradicional perfume de hambúrgueres das Clínicas, região outrora conhecida por um odor rastaquera de rosas colombianas comercializadas por ali nas imediações do cemitério do Araçá, mas oh, os paulistas superam tudo, o cheiro de morte que as rosas têm foi substituído com vantagens pelo cheiro de vida dos x-tudo, oh capriche no queijo, o meu quero mal passado, faz favor, semi-inconsciente, sivuplê), e todas em direção ao Pacaembu na busca de Vossa Santidade, que daria um show de bola às 18h daquele dia 10 de maio, justamente algumas horas antes de minha partida para o Cairo, bem no caminho entre a nobre produtora que bancaria os guinéus nessa parada e meu barraco no morro das Perdizes. Tinha um sucessor de Pedro no meu caminho, no meu caminho tinha um sucessor de Pedro.

Oh, infâmia.

Compromissos cumpridos (alguns sim, outros não) e a poucas horas do vôo, toco a voltar para a desarrumação de malas atrasada de casa. E então surgem eles, os beatos de Pindamonhangaba, as vestais de Caraguatatuba, os coroinhas de Turmalina, Ibiapina e toda a América Latina.

Nunca vi tanta batina.

Enquanto sozinho eu nadava contra aquela correnteza de fé católica, minhas paranóias batucavam: primeiro foram os leitores do Todo Prosa, o Reinaldo Aze(ve)do e a revista Veja, agora são esses católicos tentando impedir minha adesão irrestrita ao Islam. Assim não dá!

Mas daí, para meu total êxtase, 12 horas após conseguir driblar os corolas & as churumelas, surgiu Amsterdam no meu destino.

Ou na minha conexão para o Cairo, como preferirem.

*

Mas antes da conexão em Amsterdam e de minha chegada ao Cairo, surgiu o Ney em minha vida.

Explico melhor: Ney é taxista.
Depurando a explicação: Ney é taxista e faz ponto ao lado de casa. Nos conhecemos do dia-a-dia, do reboque das baladas, dos expedientes sudarentos, da faina inexorável de segunda-terça-quarta-quinta-e-sexta-feiras.

Sempre papeamos, eu e o Ney, o que eu ignorava completamente porém era que Ney falava árabe com fluência. “Além de inglês e japonês”, ele me informa. “Sempre quis viajar pelo mundo, mas daí apareceram a Elisete e os dois pimpolhos. As viagens ficaram na lembrança e no estudo das línguas”, ele diz.

Nas idas e vindas na véspera de minha viagem, Ney me deu aulas gratuitas de árabe. “Ana bád uerrád bira”, ele me ensinou. Pronto, eu já sabia como pedir uma cerveja no Egito. “Ana ma’ endi massarín”, falou o Ney. Abracadabra: eu já sabia driblar os mendigos egípcios, dizendo que não tinha dinheiro. Combinei com meu amigo taxista de ele me levar ao aeroporto. E então, até chegarmos em Guarulhos, mais lições grátis. “Ana ma’ rrk árab”, aprendi. “Eu não sei falar árabe.” Talvez esta seja a frase mais útil que o Ney me ensinou.


Figura curiosa, o Ney. Prometi levar uma lembrança pra ele.

*

Dois dias antes de Amsterdam, porém, e alguns dias após a macumba do Mirisola & suas mirisolettes, eu estava certo de que sucumbiria. Um canal maior que o de Suez estourou em meu molar superior esquerdo e achei que isso só podia ser sinal dos vingativos deuses egípcios que me aguardavam.

Meu dileto dentista Dr William B. me acalmou, entretanto, cimentando provisoriamente a enorme cratera e receitando Tramal 50, um poderoso analgésico à base de opiáceos. Dr William B. preocupou-se, quando eu lhe disse que a pena para o uso de drogas no Egito era morrer na forca. “Bem, seria uma forma meio drástica de combater essa dor de dente, caro Joca. Mas que resolveria seu problema, isso resolveria”, ele disse.

Minha paranóia tamborilou: eu estava liquidado. “Um homem esburacado destinado a uma cidade esburacada. Um homem arruinado rumo a uma cidade em ruínas: não tem jeito, as mirisolettes venceram”, pensei na hora.

*

Mas daí apareceu Amsterdam na janelinha do avião e tudo mudou.