amores expresos, blog do Joca

Thursday, May 17, 2007

SALLAM’ALAYKUM – A CHEGADA

O Aeroporto Internacional do Cairo se parece com qualquer outro aeroporto do mundo, daqueles em que os passageiros descem na pista para tomar um ônibus até o terminal. É apenas mais empoeirado.

Não se percebe nada de alienígena, até se entrar na fila da imigração e ver que a proporção de muçulmanos e beduínos vestidos em túnicas e usando turbantes e lenços aumenta cada vez mais e mais. Quando burocracia e desorganização principiam a tomar lugar e você vê na cabine 3 ou 4 sujeitos papeando como se não existisse uma fila com centenas de pessoas esperando por eles, pode ter certeza que você chegou a Al-Qaihrah, o nome árabe da cidade do Cairo.

Como o número de kalashnikovs à vista também aumenta em profusão, é aí que o visitante se lembra de que o Egito está sob uma ditadura há mais de 30 anos, e que a miséria e os níveis de desemprego têm feito a Irmandande Muçulmana (maior partido do país nos dias atuais, os fundamentalistas religiosos hoje dominam mais de 80% da bancada do parlamento, mesmo sendo um partido não reconhecido oficialmente) aumentar o cerco ao poder nas mãos do presidente Mubarak cada dia mais e mais.

Não foi difícil também me lembrar de que os ataques terroristas no país têm aumentado muito (antes esporádicos, após o ataque em julho de 2005 a turistas em Sharm El-Sheik que matou 64 pessoas, eles se tornaram mais frequentes), e que a polícia é corrupta e mal equipada, frequentemente acusada de tortura e abusos de poder contra cidadãos egípcios. E não somente.

Foi então que me lembrei dos leitores do TodoProsa, da revista Veja, do Reinaldo Aze(ve)do. Do Mirisola & suas mirisolettes.

Mas antes de enfrentar maldições & pragas, os terroristas ou até mesmo a polícia-montada em camelos de Mubarak, eu necessitaria sobrepujar a matilha de malandros que se dedicam a extorquir estrangeiros. Eles pululam por todo o Cairo, principalmente no centro por volta de Midan Talaat Harb, onde se encontram as agências turísticas, mas são particularmente abusados no aeroporto, que fica a 35 km da cidade e onde às 3h da manhã você inevitavelmente acaba refém de um desses caras. Para começar, eles cercam as pessoas de maneira totalmente agressiva e se a negociação for aberta pelo interlocutor, negando ou fazendo uma contra-proposta, você não mais conseguirá se desvencilhar deles.

Como eu estava completamente exausto com as 48 horas de viagem e as mochilas nas costas, optei por negociar um carro com preço fixo. Eu sabia através dos guias que essa opção sairia um pouco mais cara, mas os carros eram mais confortáveis e não existiria a menor possibilidade de a viagem ser transformada numa lotação. É que no Cairo, os táxis podem parar para outros passageiros que estejam indo na mesma direção que você. Podem inclusive lotar o carro ao seu bel prazer. Os táxis no Egito têm tamanha particularidade que escreverei em ocasião futura com mais vagar sobre o assunto.

Assim que acertei um preço (o inicial era 85 pounds egípcios e caiu para 60 – cerca de 22 reais -- suponho que daria para regatear mais, porém meu saco já não parava em pé), um camarada arrancou o carrinho de bagagens de minha mão e saiu circulando feito louco pelo aeroporto falando em árabe ao celular. Após ele sair fora do saguão e voltar (já levava uns 8 minutos ou mais pilotando perigosamente minha bagagem, que ameaçou cair do carrinho mais de uma vez), consegui retomar o volante do carrinho e dei-lhe um ultimato: “Eu preciso desse táxi para hoje, amigo, e não para amanhã.” Nesse momento o malandro parou e sorriu pra mim. Daí ele desligou o celular e me conduziu até um carro no estacionamento, me deu um recibo, pediu um bakhshish (uma gorjeta) e finalmente tomei o rumo do hotel. No volante do táxi, um velhinho voava, enfiando o pé pelas avenidas de asfalto brilhante e liso dos subúrbios do Cairo, passando por Heliopolis (elegante bairro imitando Paris construído pelo Barão Edouard Empain nos anos 20), rumo à Sharia Qasr-El-Nil, ao Hotel Cosmopolitan e também a maldições ainda mais poderosas e inesperadas.