amores expresos, blog do Joca

Friday, May 25, 2007

A MALDIÇÃO DO COSMOPOLITAN HOTEL III

Na manhã seguinte, após as aulas de hipnologia que tenho tomado com o eminente professor Emil Kamel no campus da American University in Cairo situado na Sharia Mohammed Mahmoud, aproveitei o fato de estar na vizinhança e entrei no Egyptian Museum. Eu estava em busca de ser possuído por alguma entidade do Egito Antigo que me ditasse um livro, assim como aconteceu com Aleister Crowley. Ao contrário do “The Book of Law” resultante da sessão espírita ocorrida com o bruxo inglês, porém, eu precisava que a tal entidade me desse uma mãozinha e ditasse uma história de amor. Quem sabe Hathor, a deusa do amor e do prazer representada por uma simpática vaquinha, não me auxiliasse nesta empreitada? Afinal, mugir de amor deve ser muito melhor do que morrer de amor.

Eram tamanhas, as promessas que os 120 mil itens de egiptologia catalogados e escondidos sob o teto daquele enorme prédio cor de camelo quando foge, que até mesmo desapareceram as dores que meu Canal de Suez particular tem causado. A dor de dente passou, e então começaram as dores de cabeça para entrar no museu, que devem ser parecidas com dores do parto às avessas. Primeiro, um detector de metais. Depois, uma revista completa da mochila. E então, o raio-X. Somente nesse ponto descubro que terei de voltar ao jardim externo do museu para depositar câmeras de fotografia e de vídeo num guichê altamente suspeito. Uma dona gorda e simpática (aqui não tem esse negócio de anorexia, as gordinhas é que fazem sucesso) me deu um papelzinho encardido com um número em árabe em troca da moderna handycam que a produtora malvada me obriga a carregar pra lá e pra cá. Minha paranóia sambou: eu podia confiar na egípcia gordinha e simpática ou ela seria uma mirisolette disfarçada? Resolvi confiar. Eu não tinha mesmo outra saída para entrar no prédio.

Após os guardinhas de uniformes branco-encardidos bagunçarem novamente minha mochila, consigo entrar no museu. Logo de cara, no fundo do átrio, duas gigantescas estátuas representando o faraó Amenhotep III e sua mulher Tiy me dão boas vindas (“Welcome”, eles dizem em uníssono.) Considerei bom augúrio ser recebido por um casal cujo casamento esteja durando tanto tempo. Afinal Amenhotep e Tiy estão juntos desde 1390 AC. Isso sim é que é felicidade conjugal.

Depois de conferir a Paleta de Narmer (o faraó também conhecido por Menés e que unificou o Alto e o Baixo Egito, iniciando as dinastias faraônicas que duraram 3000 anos), subo correndo ao segundo piso para ver as salas dedicadas a Tutankhamon. Quando garoto eu era fascinado com a história do arqueólogo inglês Howard Carter e a de seu benfeitor, Lord Carnarvon. A maldição de Tuthankamon parece ser mais poderosa do que a maldição das mirisolettes, pois reza a lenda que todos os envolvidos na abertura da câmara do faraó em Luxor morreram nos anos seguintes à descoberta. Suspeita-se que a câmara fora envenenada para afugentar saqueadores de tumbas. Pus-me a pensar: será que o faraó com sua sabedoria divina poderia confundir aqueles nobres e bem intencionados colonizadores e arqueólogos com meros saqueadores de tumbas? Bem, basta conferir os tesouros egípcios no British Museum e no Louvre para perceber que Tutankhamon, apesar de jovenzinho, sabia das coisas. Uma breve anedota ilustrativa sobre o assunto e sobre o jeitinho egípcio de ser: em troca do portentoso e incalculável obelisco do período faraônico que enfeita a Place de la Concorde em Paris, o rei francês Louis-Philippe enviou em um relógio para ornamentar a entrada da mesquita de Muhammed Ali, no Cairo. O relógio quebrou durante a viagem e até hoje não foi consertado.

Foi nesse instante que me lembrei da intrigante presença na cidade da Egípcia do Crato, espiã, ladra e femme fatale juramentada. Eu sabia que a esculhambação característica dos egípcios é também responsável por outra grande piada: armazenados no porão do museu estão 150 mil peças valiosíssimas que nunca foram catalogadas ou exibidas. Há anos o presidente Hosni Mubarak vem planejando a construção de um museu definitivo nas imediações das pirâmides de Gizah que abrigue esses itens, mas essa parece ser outra brincadeira. Estaria a Egípcia do Crato em busca de novas riquezas da era dinástica para enfeitar algum museu do Primeiro Mundo, enquanto Mubarak cochila seu sono de beleza no Palácio Uruba? Era o que eu procuraria descobrir.

Diante da célebre máscara mortuária do faraó falecido precocemente (aquela que estampa capas de livros de história no período escolar), eu me perguntava onde tudo isto vai dar. Mas Tutankhamon continuou em seu silêncio de ouro e nada respondeu.

[ TO BE CONTINUED / A SUIVRE ]