amores expresos, blog do Joca

Monday, May 28, 2007

GERGELINS

Os cairotas pertencem àquela faixa um tanto obscura e indefinida das categorias humanas que fica entre a simpatia e a mais intransigente malice sem alça. São as pessoas mais grudentas que já tive a infelicidade de suportar, e nesse quesito talvez ganhem até mesmo dos brasileiros. Eu disse “talvez”.

*

Os mais malas entre os malas são os malandros que trabalham com turismo no centro da cidade. Eles ficam zanzando pelas ruas à procura de gringos e então colam nas pessoas, seguindo-as até que consigam arrastá-las para uma de suas “agências”.

*

O método de abordagem desses infelizes pode ser reconhecido pelo indefectível “Where are you from?” A única forma de se livrar de tanta simpatia e diligência é ignorá-las pura e simplesmente. Dia desses tive um diálogo interessante com um gordo que me seguia fazia horas.

O gordo foi chegando e segurou em meu cotovelo, dizendo: “Hello. Where are you from?”, pergunta que respondi com um seco “Thank you.” O gordo então emendou “Oh, que interessante, então você vem de um país chamado Thank You.” Eu olhei pra ele e disse “Sim, cuja capital se chama No Thanks.” O olhar do gordo então se iluminou e ele afinal parou de me seguir. Quando olhei para trás, ele estava parado na calçada e repetia incessantemente: “Muito boa. Essa foi muito boa...”

*

Cerca de 25% da economia baleada do Egito é proveniente do turismo, daí o contingente gigantesco de pessoas espalhado pelas ruas do Cairo, procurando desesperadamente sobreviver de golpes e pequenas mutretas. Nas redondezas de qualquer sítio histórico é possível encontrar batalhões delas, o que acaba transformando qualquer visita a um lugar desses num tremendo pé no saco. É necessário negociar absolutamente tudo, desde o preço de uma garrafa d’água até uma corrida de táxi.

*

Os táxis egípcios não usam taxímetro e o preço tem de ser combinado antes de se entrar no carro. “Funciona” mais ou menos assim: o taxista pára (não há necessidade de fazer sinal, pois ao caminhar na calçada você será abordado o tempo todo – às vezes podem até mesmo te seguir – ou quase será atropelado por eles) e do lado de fora você diz o bairro ou a rua que gostaria de ir e pergunta o preço. Daí começa uma árdua negociação, iniciada invariavelmente por ele, que vai propor um preço abusivo que será negado por você. Se o taxista se mostrar irredutível, é só dar as costas e ir embora. Em geral, o táxi aparecerá novamente ao seu lado um minuto depois, quando o taxista perguntará quanto você quer pagar. E então o negócio é chutar um preço razoável e entrar no carro fedorento, quase 10 minutos depois de o processo ter se iniciado. Vale lembrar que nem sempre o taxista fala inglês. Uma diversão. Que saudades do Ney.

*

Os taxistas também têm o péssimo hábito de “sequestrar”os passageiros gringos, fazendo um caminho alternativo que passe por lugares importantes. Nessas horas eles incorporam o guia turístico e tentam explicar os monumentos (às vezes apelando para a mímica, o que pode ser particularmente desastroso numa cidade com o trânsito do Cairo), pretendendo com isto cobrar pelo “tour”.

No caso de o taxista ficar insatisfeito com o preço acordado, ele também poderá parar e recolher novos passageiros que estejam indo para o mesmo destino que você. Ou seja: o risco de seu sensível narizinho terminar debaixo das axilas fedorentas da gabbeyya de um muçulmano de 200 kilos é bastante grande.

*

O problema maior dos táxis no Cairo nem mesmo é o preço, muitíssimo mais barato do que em São Paulo, por exemplo, onde táxi é um serviço caríssimo. Dia desses aluguei um deles para um passeio de cerca de 7 horas (um carro bacana, com ar-condicionado e tudo, e um motorista mala sem alça como todos os outros – falo mais dessa viagem depois) para ver as pirâmides de Gizah, Saqqara e Memphis (Saqqara fica a quase 30km do centro do Cairo) por 120 libras egípcias, o que deve dar em torno de R$43.

O grande problema do Cairo é que todo mundo, desde taxistas e garçons até funcionários de hotel e mendigos, quer enganar estrangeiros durante o tempo todo. E isso cansa qualquer candidato a otário.

*

Existem mais de 20 milhões de carros circulando no Egito. Esse número aliado à total loucura rodoviária dos cairotas resultou no trânsito mais caótico do mundo. Uma gigantesca frota de renaults e fiats 147 caindo aos pedaços circula do raiar do dia até a noite, varando a madrugada com suas buzinadas estridentes. Os motoristas cairotas não respeitam nenhum sinal de trânsito e muito menos os policiais, que nos horários de picos procuram (ainda não estou certo se eles “procuram” fazer alguma coisa) organizar os cruzamentos. Para atravessar a rua, os pedestres não têm outra saída senão se aventurar no meio do tráfego de maneira absolutamente suicida. Ver um cairota atravessando o tráfego de uma grande avenida na hora do rush é mais emocionante do que final de campeonato.

*

Uma das provas irrefutáveis de que o povo egípcio é completamente insano está na Midan Ramsés. É lá, no centro dessa pequena rotatória próxima à estação ferroviária central contornada por gigantescos minhocões unindo os subúrbios ao centro da cidade, que está um monolito representando Ramsés II*. A estátua de 90 toneladas foi trazida em 1955 de seu lugar de origem, o Templo de Ptah em Memphis, onde ficou por mais de 3000 anos, por ordem do presidente Gamal Abdel Nasser. E hoje o pobre Ramsés II é obrigado todo santo dia a testemunhar a barulhenta faina humana dos congestionamentos, sentindo dia a dia sua carne feita de rocha ser consumida pela poluição e pelo monóxido de carbono. É um verdadeiro crime de lesa-humanidade.

*Não está mais. Parece que caiu a ficha e recolheram o pobre Ramsés II para ser restaurado. Parece que em seu lugar colocarão uma réplica. Eu, porém, suspeito que tal sumiço deve ser obra da ardilosa espiã francesa, a Egípcia do Crato...