amores expresos, blog do Joca

Monday, June 18, 2007

A MALDIÇÃO DO COSMOPOLITAN HOTEL VIII

O vento frio ao longo da avenida Champs Élysées despenteava plátanos e castanheiras sob a luz minguante do sol poente até culminar na Place de la Concorde, erguendo a lapela do casaco à altura de meu rosto como na tentativa de um beijo roubado. O súbito obstáculo soprado pela ventania tapou por breves instantes a figura da Egípcia do Crato recortada contra o sol e vinda em minha direção com seu passo largo e algo marcial, aprendido em alguma escola de espiãs sexys. Nós aproveitávamos a estada em Paris para visitar o obelisco trazido de Luxor no século XIX e instalado ali na praça, além de dar um tchauzinho para os amigos egípcios na forma de hieroglifos esculpidos no monumento (“Welcome, welcome”, diziam os gatos e as íbis em baixo-relevo no granito).

Eu não esperava que aquele obelisco me contasse a história de amor que Tutankhamon e a Esfinge não foram capazes de contar, claro, mesmo porque eu já vivia a minha própria love story e não precisava mais que ninguém me contasse porra nenhuma. Não posso negar minha surpresa, entretanto, ao enxergar inesperadas conotações amorosas e sexuais nos textos e desenhos dispostos no pedestal e que explicam a halace, virement et erection de l’obelisque par M. Lebas, ingénieur na Place de la Concorde. Afinal um monumento histórico egípcio me contava qualquer coisa que se relacionasse a esse montanhoso sentimento pleno de altos e baixos (e que às vezes até mesmo carece de auxílio técnico do departamento de engenharia), e tinha de ser um monumento em forma de falo, sem dúvida.

Foi relembrando a viagem que eu e a Egípcia do Crato fizemos a Luxor e observando aquela ereção gigantesca que ameaçava inundar o vizinho Jardin des Tuilleries que de novo comecei a digredir, tecendo considerações sobre a forma com que os egípcios se relacionam entre si e com os outros cidadãos deste planeta tão confuso. Há duas semanas atrás, no dia 3 de junho, eu e ela caminhávamos na Corniche El-Nil (o calçadão que margeia o Nilo e de idêntico nome ao do seu similar no Cairo) sob a luz atordoante do meio-dia no Vale do Nilo quando, a cerca de 15 metros de nós, um homem calmamente levantou a sua gabbeyia (vocês já sabem, aquela túnica usada pelos egípcios) e começou a se masturbar. Ele estava sentado num dos diversos bancos dispostos na calçada e olhava para a Egípcia do Crato e para mim, nos homenageando ao vivo e em cores à medida que desfilávamos nossos corpinhos inspiradores diante de seus olhos apaixonados. De imediato meus brios de macho cristão civilizado me levaram a pensar se não seria o caso de um discreto corretivo no louco, mas acabei concluindo que, hum, bem, e se for absolutamente comum uma coisa desse tipo acontecer no Egito? Sim, pois casos de estupros e masturbadores furtivos que “homenageiam” turistas em cemitérios ou em outros lugares menos inapropriados são relatados com absurda frequência em todos os guias de viagem, e mais ainda – e com maior riqueza de detalhes -- nos fóruns da internet. Acabei deixando pra lá (afinal, quem sou eu para corrigir o desejo de alguém, um Delegado da Bronha Alheia?) e seguindo caminho. Quando olhei para trás, o punheteiro já tinha deixado de olhar para a minha bunda e transferia toda a sua concentração manual e inspiracional às duas americanas de shortinho que vinham atrás de nós. Torço para que elas tenham conseguido se desviar dos perdigotos a tempo.

A semana de intensa paixão que se iniciara no litoral de Alexandria, porém, e prosseguia ali, às margens espetaculares do Nilo em Luxor, já havia me fornecido suficiente know how a respeito do impressionante interesse lúbrico dos homens egípcios em relação às ocidentais e também em relação aos ocidentais, o que não chega a ser um escândalo para mim (dada a tradição de turismo homossexual por aquelas bandas, que remonta a Alexandre, o Grande, chegando até William Burroughs e Paul Bowles). O fato é que pode ser um verdadeiro martírio para um sujeito possessivo caminhar acompanhado de sua mulher pelas ruas do Egito. A auto-estima gigantesca que os egípcios carregam é embasbacante e fará com que qualquer um deles, e quando digo qualquer um é qualquer um mesmo, do mendigo ao desdentado, do balofo ao tiozinho-fim-de-carreira, aborde a mulher ao seu lado à sua passagem. E nada é suficiente para convencê-los de que aquela mulher não está disponível, e se ela não estiver de braços dados com você, a coisa certamente atingirá níveis insuportáveis. Para ela, principalmente.

Não custa lembrar que os homens e os deuses, de acordo com a mitologia dos antigos egípcios, nasceram de uma ejaculação do deus Atum, representado pelo sol poente. Ou seja, de acordo com os egípcios, o universo surgiu de uma punheta batida pelo Sol. Talvez esse fundo mitológico e poético não justifique a sem-vergonhice galante dos egípcios atuais, mais provavelmente fundada em heranças culturais relacionadas à segregação feminina. No Egito islâmico as mulheres são e sempre foram mero detalhe, aquela dona responsável pela limpeza da casa e por cuidar dos filhos. Elas, de acordo com a tradição, não podem trabalhar fora e não podem cuidar de sua própria vida, cabendo aos homens todo e qualquer tipo de trabalho. No Egito é quase impossível, a não ser nas classes mais altas, ver mulheres trabalhando.

Essa segregação causou diversas mudanças de comportamento entre os homens, que andam de mãos dadas e abraçadinhos por todos os lugares, trocando aconchegos explícitos o tempo todo. Um hábito comum entre os homens egípcios, por exemplo, é o de “pegação” violenta. Aquelas famosas brincadeirinhas de luta que estamos acostumados a ver entre meninos impúberes, no Egito acontece com enorme frequência com homens de todas as idades, dos garotos aos velhinhos. Então é aquela encoxação meio histérica entre barbudos em todas as esquinas, bares e mesquitas. Falta de mulher, concluo, mesmo não entendendo nada. E olho aquela imensa multidão de mulheres engordando debaixo de roupas pretas que deixam apenas seus olhinhos tristes de fora e penso num poema de Rimbaud que acusa Cristo de ser um “eterno ladrão de energia”. Chego à conclusão de que com o profeta Muhammad não é diferente.

Deixando para trás a Corniche El-Nil e o triste masturbador solitário, apertei com toda a força a mão da Egípcia do Crato, dizendo o quanto a amo e que ela fizesse bom proveito de toda a energia que eu tiver para dar.

[ TO BE CONTINUED / A SUIVRE ]