amores expresos, blog do Joca

Tuesday, May 29, 2007

LENTILHAS

Há diversas fontes conflitantes sobre a população da cidade do Cairo, apesar de o IBGE deles, o CAPMAS, estar preparando novo censo a ser divulgado ainda em 2007. De acordo com as primeiras informações extra-oficiais (a fonte é a revista mensal Egypt Today), os cairotas são em torno de 20 milhões (sendo que a população do país é de 76.486,426 milhões de pessoas).

Esse número não é suficiente para dar ao Cairo o cetro de cidade mais populosa do planeta, mas assegura sua posição de primeira do ranking de maior densidade demográfica, com áreas habitadas por 2.000 pessoas por hectare, ou seja, com meros 5 metros quadrados ocupados por cada cidadão.

Some esses índices aos alarmantes níveis de poluição, acrescente áreas totalmente desprovidas de quaisquer indícios de vegetação, tempere com a areia do Saara que inunda a cidade nas tempestades anuais chamadas de Khamasin (“As Cinquentas” em árabe, assim chamadas porque ocorrem 50 dias antes da Páscoa copta -- na mais poderosa delas, registrada em 2004, os ventos eram de 80 km/h, e deixou 33 mortos), ferva a 40 graus celsius (média da temperatura neste início de verão) e pronto: o caos é dono e senhor deste lugar chamado Entropia.

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O prefeito de São Paulo Gilberto Kassab e sua usina de idéias brilhantes deveria criar um sistema de teletransporte que fosse acionado a cada vez que um paulistano dissesse ou pensasse “Não aguento mais o caos desta cidade”.

No preciso momento em que essa frase transtornada varasse o cérebro do paulistano de saco cheio e ensardinhado num vagão de metrô na hora do rush, ele seria imediatamente teletransportado para uma rua de Khan Al-Khalili, onde a mera menção à palavra “espaço” não tem lugar, e a sensação “espacial” é precisamente a de estar dentro de um vagão do metrô em São Paulo na hora do rush, com a diferença (que deve ser levada em consideração) que o seu pé estaria enfiado numa fossa estourada e que você seria obrigado a dividir seu quinhãozinho com jegues, pombos, cavalos, cabritos, táxis, ratos, egípcios e, last but not least, japoneses (bem, nós também temos japoneses no metrô de SP).

Depois de meia hora curtindo os olhares hospitaleiros dos fundamentalistas muçulmanos de Khan Al-Khalili (que murmurarão em seu ouvido frases indecifráveis em árabe provavelmente significando “Adoro explodir infiéis”) e mais apto para rever seus conceitos, o sabatinado paulistano seria devolvido ao vagão em pleno horário das 19h da Operação Tartaruga do metrô.

Ou não.

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A questão da arborização da cidade (o problema aqui no deserto não é desmatamento, como vocês podem prever) é ainda mais atroz. Há diversas opiniões a respeito da total desimportância que o cidadão do Cairo atribui aos espaços verdes, algumas delas cheirando até mesmo a psicologização barata, como a da “cairóloga” Maria Golia, autora do interessantíssimo, apesar de certas teorizações furadas, “Cairo, City of Sand” (The American University in Cairo Press, Cairo, 2004). Golia defende que o cairota abomina qualquer coisa que o faça lembrar de seu passado rural ainda tão próximo, e isto incluiria as preocupações paisagísticas com o espaço urbano da cidade.

Tenho minhas dúvidas quanto à boa procedência desse raciocínio, pois a alma rural do povo egípcio me parece totalmente viva e pulsante onde quer que se olhe: no sem número de carroças puxadas por jumentos e cavalos transportando hortaliças, legumes e carne pra lá e pra cá (uma visão impensável em boa parte das capitais brasileiras). Um exemplo: dia desses entrei num beco cercado de prédios em ruínas próximo à Midan Tahrir, o coração do Cairo urbano, e lá estavam dois pastores com suas quinze ou mais cabras. Pareciam exilados do bucolismo, os pobres pastores e suas cabras.

Tenho para comigo que a total falta de preocupação com o destino desta cidade e das pessoas que a habitam só tem uma razão: desgoverno. A situação é de tal maneira drástica que nem posso cogitar incompetência administrativa. O Caos, quer dizer, o Cairo está desgovernado desde 1981, quando Hosni Mubarak chegou ao poder. Ou seria desde 712 AC, quando a era faraônica começou a definhar? Cartas para a redação (jterron@gmail.com).

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Cansados de tentar plantar em vão no deserto, os cairotas inventaram os “chapéus de palmeira plástica” para revolucionar conceitos no paisagismo mundial. Explico melhor: são parafernálias feitas de plástico imitando as palmas superiores de uma palmeira e que são instaladas nos topos de postes dos bairros de subúrbio. À noite, quando os postes são acesos, as palmeiras plásticas brilham qual néon nas cores laranja, púrpura e – por que não? – verde.

Não, Kassab, nem ouse pensar nisso!